segunda-feira, 9 de julho de 2007

Os limites da fotogenia política

Adélia teria uma personalidade interessante, se fosse autêntica. A verdade, porém, é que o que parece ser a sua personalidade, o que apresenta como tal, é apenas uma imitação daquilo que lhe parece intelectualmente fotogénico.
É por isso que na política adopta sempre a postura que espera merecer aplausos daqueles que admira pela mesma razão que Nero admirava Petrónio e o tomava como árbitro das suas decisões e realizações, desde o que ele achava serem as suas aptidões musicais, aos espectaculares efeitos conseguidos pelo incêndio de Roma.
Daí viver sempre em permanente contradição entre a sua atracção pelo charme da burguesia, classe a que na realidade pertence por ascenção geracional e entrismo pessoal, e a sua postura para uso externo de guardiã da “ideologia da classe operária”, que ostenta nas manifestações de protesto contra as decisões que os seus mentores consideram como fazendo parte da estratégia daquilo a que chamam democracia burguesa, não se assume como pertencendo a qualquer partido ou movimento político organizado, mas gosta de ser vista como de algum modo ligada ao Partido Comunista, desmentindo porém que o seja, sempre que alguém tente identificá-la com tal. Tem, no entanto, sempre o cuidado de se colocar em termos abstractos à esquerda, embora seja incapaz de delinear, mesmo em traços largos qualquer projecto concreto de sociedade que possa apoiar.
Em suma, é absoluta e radicalmente contra tudo o que politicamente é tido como correcto ser contra, mas não consegue definir-se pró seja o que fôr de concreto. Enfim, é um modelo curioso de pequeno-burguês semi-intelectual em movimento de ascenção à média e, se possível, alta burguesia, membro desse segmento da pequena burguesia que se pretendeu chamar revolucionária e que falou em suicidar-se politicamente como classe para ressuscitar entre as massas, mas que por nada renuncia às vantagens que a classe em que se insere sempre lhe assegurou, simulando, ao invés, o salto que nunca dará, apenas tocando com um pé a borda do declive e o outro bem seguro na plataforma da burguesia, não vá perder o balanço e cair irremediavelmente, sem retorno, para o outro lado.
Essa é a fronteira, esse é o limite real do risco com que todos os malabaristas políticos sabem que não podem brincar.
Esse é também o limite até onde a fotogenia política os consegue levar.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

About the article on Cape Verde (Sunday edition, June 24,2007)

Any society, as far as medium exposure is concerned, is exposable from a negative perspective, and we, Cape Verdeans are not exempt from that. Fortunately we have had and continue to have enough positive, some of them very positive, exposures, in the media to make up for that kind of liability.The Cape Verdeans in general have been traditionally raised in family environments and educated according to cultural and moral ( which includes, of course, the religious) patterns and values that make of us what we are . And I am talking about the mainstay of the Cape Verdean traditional society, based on the family upbringing and on what has been taught in our schools.But let us face the facts. A lot of things have changed and continue to change in the Cape Verdean society, both at home and in the Diaspora communities. Instead of reacting oversensitively, we should take stock and go on struggling, as we have always done to preserve and fight for our values and for our dignity as a people. At home or in the Diaspora we are a nation. That is why we call ourselves Cape Verdeans, or Cabo-vedianos, wherever we are, and that is why the other nations have learnt to call us Cape Verdeans. For good or for bad. In Cape Verde we survive planting corn, beans, sweet potato, squash and sugar cane. But weeds are part of what grows in our lands. We have to know how to manage our crops. We have learned to do many things to overcome our difficulties . Maybe we can learn how to turn weeds into useful crops.No single country owns the world ( the planet). It is our world. And it is more and more One World.The article in the New York Times about Cape Verde and the Cape Verdeans gives us a one-sided picture of Cape Verde, no matter how true the facts that have been exposed are. But it is just one side of our reality. Let us not be condescending about the negative aspects of our society. Let us not blind ourselves about what is happening in many respects both in Cape Verde and in the Cape Verdean immigrant communities and the interaction between the two sides of our reality. Instead, let us go on struggling for the so many reasons and goals that encourage us to fight.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Palestra alusiva ao 19º aniversário AAEESCV-25-11-06 (Parte 2)

Continuação...

Essa particularidade a que eu chamo espírito de uma cidade, a ambiência cultural e social que se vivia em S.Vicente, comportava mais uma componente que vinha de outras proveniências que não apenas do Liceu Gil Eanes, o fulcro à volta do qual tudo girava, que eram representadas pela variedade de clubes desportivos e outras agremiações, que imprimiam um dinamismo à comunidade mindelense, surpreendente numa cidade relativamente tão pequena com Mindelo. Académica, Amarante, Derby, Mindelense, Grémio, Radio Clube, Clube da Caça Submarina, Clube de Golfe, Cube de Ténis, e outros.

A insularidade física de S.Vicente era amplamente ultrapassada por esse dinamismo alimentado pelo movimento do Porto Grande, que permitia aos habitantes de Mindelo um convívio permanente com gente de de diferentes culturas e origens. Um cidade aberta ao mundo, mas ciosa dos seus valores e das suas aquisições.

O liceu de S.Vicente não podia senão reflectir esse espírito e acentuar o seu culto. A sua criação em 1917 foi fruto desse espírito e de muita tenacidade da parte de membros da comunidade mindelense empenhados instituitir o ensino secundário naquela ilha, o que significava em Cabo Verde, pois o Seminário Liceu de São Nicolau tinha sido extinto precisamente nesse ano. O liceu de S.Vicente foi instituido em S.Vicente com o nome de Liceu Infante D. Henrique e foi um dos seus principais propulsionadores, o ilustre cabo-verdiano Senador Vera-Cruz, que cedeu a sua própria residência situada na Praça Nova para a sua instalção. O Liceu Infante D.Henrique foi mais tarde transferido, com o nome de Liceu Gil Eanes, para o edíficio que todos conhecemos e que constitui um dos marcos indeléveis da da nosa história e da nossa cultura, a referência comum e mais cara de tantas gerações que por ali passaram, sem esquecer os continuos e demais funcionários cujos nomes ficarão sempre a ele ligados. Não queria citar nomes para evitar o risco de omissão injusta de algum. Mas não posso de forma nenhuma deixar de lembrar nomes que marcaram a geração a que pertenço, nomes como Adriano Duarte Silva, António Aurélio Gonçalves, Antero Barros, Aristides Gonçalves, Artemisa, Baltazar Lopes da Silva, Daniel Leite, Dr. Pereira, D.Antónia, Luis Terry, Maria de Jesus Gomes, Olavo Moniz, Rendall Leite, Senhor Reis, Senhor Simões, Tertuliano Cabral, Toi Guga ( lembram-se? Creio que se chamamava António Augusto e daí Toi Guga), e outros... Colegas mais antigos falavam em Sr. Pombal, Sr. Alberto Leite, Joaquim (Quim-Quim) Ribeiro, Manuel Serradas...

O Liceu Gil Eanes era sem dúvida o centro de educação e cultura por excelência de todo Cabo Verde para onde convergiam jovens de todo as as ilhas e no qual todos se integravam e com o qual se identificam, e onde as diferenças regionais se esbatiam ora no currículo oficial das das aulas ora nesse outro currículo que os próprios estudantes geram foa das salas de aulas, nos intervalos, nos campos de jogo, e fora do liceu, na comunidade mindelense, na Praça Nova, na Matiota, Laginha, Cova de Inglesa, Cais de Wilson, Salamansa, João d’Évora, Ribeira, Julião, Calhau e Baia da Gatas.

Ao lembrar há pouco o Clube da Académica do Mindelo, um nome nos vem imediatamente à memória: oome de João Barbosa, figura indissociável da Académica e que com ela totalmente se identificava, Académia que era uma extensão desportiva de Gil Eanes. Queria aqui, precisamente nesta Associação da qual ele foi digno persursor e dedicado Presidente, render-lhe a homenagem devida à sua sua memória, bem como aos outros da equipa da sua honrosa Direcção, alguns dos quais infelizmente já não se encontram entre nós. A todos quantos têm contribuido com o seu trabalho, a sua dedicação, o seu empenho, a sua perseverança vai o nosso reconhecimento e a nossa gratidão. Sem esse empenho e essa perseverança não teria sido possível manter viva e dinâmica como tem sido até aqui.

Criada como Associação dos Antigos Estudantes do Liceu Gil Eanes, acabou por se assumir, como não podia deixar de ser, como do Ensino Secundário de Cabo Verde, abranjendo assim os que foram alunos do Liceu da Praia, criado mais tarde por intervenção do então Ministro do Ultramar português Doutor Adriano Moreira, ao qual ficou a dever o seu nome origem, Liceu de Adriano Moreira. Tive também o grato prazer e honra de ter sido professor desse outro grande Liceu de Cabo Verde.

A associação reune pois os ex-alunos de todo Cabo Verde e essa é sem dúvida a sua vocação e o seu mérito. A vocação e o mérito de não dividir, a vocação e o mérito de unir, como a sua própria constituição provê e previne.

Para não vos cansar a cabeça, naquele sentido em que se diz em S.Vicente, “ câ bo cansá-m cabeça!” vou terminar em seguida. Mas antes queria deixar-vos aqui este apelo, que venho fazendo em circunstâncias idênticas, e não por acaso. E aqui vou repetir-me, porque não vale a pena re-inventar o que resulta de uma reflexão séria e de uma firme convicção: nós os cabo-verdianos juntos constituimos uma nação portadora de uma história e de uma cultura caldeadas durante cinco séculos de existência e labuta naquelas ilhas situadas a 350 milhas da costa ocidental de Africa, mas também fora das ilhas, no que já nos acostumamos a chamar a nossa Diápora. Mindelenses, patchê, badiu, bubista, djarsal, djarmai, djarfogu, ou djabraba, ou sintanton, somos peças variadas desse extraordinário mozaico humano, desse verdadeiro cadinho étnico a que chamamos o povo cabo-verdiano. Dentro e fora de Cabo Verde, em cada lugar onde nos encontramos.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Palestra alusiva ao 19º aniversário AAEESCV-25-11-06 (Parte 1)

19º Aniversário da Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde

Palestra proferida por Viriato de Barros em 25-11-2006

Quero antes de mais agradecer à Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde o convite com que me distinguiram e que me honra de forma muito particular como antigo aluno do Liceu Gil Eanes, de que tive também o privilégio de ser professor, para neste dia em que se celebra o décimo nono aniversário da fundação da Associação, dizer algumas palavras.
Acho que não me afasto, antes pelo contrário, me reaproximo do motivo que nos traz aqui hoje, que é comemorarmos juntos esta data, se recorrer a um artigo que em temos escrevi sobre S.Vicente com o título de “S.Vicente, - ‘quel país!”:

Quem chega a São Vicente, vindo de uma outra ilha como a Brava, por exemplo, de rochas húmidas e terras verdejantes, muros forrados de musgo, estradas ladeadas de cardeais ou de cercos de cafezeiros, ou Santo Antão, com os seus vales férteis, exuberantes por onde correm ribeiras de água cristalina, tem, de entrada, a sensação de um banho de aridez e secura que o envolve para onde que se vire.As espinheiras cobertas de poeira vergam sob a pressão do vento agreste que fustiga a ilha sem cessar. A poeira deposita a sua marca em tudo por onde passa e passa por tudo. Tudo seco. Tudo árido.Mas quando ergue os olhos e alcança a vista que se descortina mais à distância, vê areais dourados em estonteante contraste com o azul do mar e descobre, aí, uma outra beleza feita de tons do mar, do céu e dos matizes de crepúsculos e auroras sem igual.

É uma outra ilha, outra gente. É uma ilha-cidade. Não há campo, nem camponeses. Há rochas, pedras e terra, areia e ribeiras secas que não nos deixam esquecer que, por serem ribeiras, um dia por elas passou água e por ela esperam o ano inteiro, todos os anos. Em S. Vicente também chove, pelo menos uma vez por ano. E às vezes chove tanto que algumas ribeiras conhecem dias de verdura, ainda que por tempo escasso.É por isso que se diz que S. Vicente não tem interior, como tem, por exemplo, a ilha de S. Tiago. Claro que, rigorosamente, talvez a Ribeira Julião, o Lameirão, o Pé de Verde e o Monte Verde pudessem ser considerados "interior", mas a verdade é que ninguém pensa nesses lugares como tal. S.Vicente vivia de outras coisas.

...Tinha um Liceu e outros centros de formação profissional como a Escola Técnica e a oficina da Pontinha, tinha as companhias inglesas que davam uma nota britânica aos costumes locais, como o hábito de jogar o "cricket", o golfo e o ténis, aprendido com os ingleses, havia expressões que faziam parte do vocabulário comum como "crizmis" ( de Christmas), nhocasse (de New Castle) para designar o carvão eventualmente proveniente daquela cidade britânica, as pessoas andavam de calções e usavam sapatos de ténis, bebiam o chá das cinco e tomavam "gin tonic". Havia mesmo quem falasse português (ou creoulo) com sotaque inglês adquirido por contiguidade nas companhias inglesas. Coisas, evidentemente do passado. Havia mesmo um certo estilo de andar, ligeiramente inclinado à direita, com um bengalim debaixo do braço esquerdo que, segundo parece, tinha proveniência britânica. Mesmo sem o bengalim, ficava-lhe o jeito. A postura imprimia um estilo.Havia outra circunstância que contribuía para esse modo mindelense de estar na vida : facto de o Porto Grande de S. Vicente ser um importante porto internacional, visitado por navios de todas as nacionalidades e provenientes dos mais longínquos e variados lugares, permitia aos mindelenses um contacto constante com diferentes culturas, com diferentes hábitos e costumes.
Se me alongo um pouco sobre S.Vicente nesta minha conversa é porque foi ali onde um dia e em boa ora se institui o Liceu Gil Eanes. Não podemos, naturalmente, dissociar esta Associação do Liceu que deu origem à sua criação, nem da ilha em que se implantou , do seu estilo de vida das influências reciproprocas. Desse espírito mindelense no que ele teve sempre de melhor, feito afinal com gente de todas as ilhas. Bazofo por excelência, tantas vezes irritante, por vezes insuportável, para nós os outros que chegávamos de outras ilhas na sua simplicidade rural, mas por outro lado independente, irreverente perante pretensões de abusos e prepotências, vindas de onde viessem, de uma capacidade incrIvel de inventar alegrias nas situações mais difíceis, penosas, em que apesar delas aflora invencível esse humor mindelense que ele próprio diz que tem origem na influência a que chama “britiche”. Não lhe cham britânica, não. Chama-lhe “britíche” , assim mesmo, com acento no “i”. Desse inglês que aprendemos, muitos de nós, como nho Roque, que nos ensinavaa pronunciar correctamente a palavra “Christmas”ouvindo com atenção a forma como as empregadas das casas inglesas diziam: “Crizmiz”. “Ora digam lá, dizia Nho Roque: “criz-miz”! Agora façam recuar o acento para o pricípio da palavra: Crízmiz. Ora aí está!

Todos nós, patche, busbista, badiu, djabraba, bubista, badiu, djarfogo, djarsal, djarmai, chegávamos a S.Vicente, naquela simplicidade saloia –passo o termo - e começávamos a aprender essa esperteza urbana dos “m’nin d’soncent” , esses, convencidos sempre, na sua congénita bazofaria, de que eram os melhores do mundo. Do mundo, repito, na sua forma de o dimensionar.

Como acontece noutros lugares a comunidade em que a escola se insere tem um papel preponderante na forma como se processa a formação que nela se recebe num processo recíproco de influências. Paralelamente à educação que se recebia no Liceu Gil Eanes, liceu a todos os títulos, à nossa dimensão, correspondente a uma Universidade, recebia-se uma outra formação, noutras “instituições” que se chamavam respectivamente, Eden Park e Parque Miramar, por ordem de antiguidade e respeito por ela. E não era apenas feita de filmes essa formação. O palco do Eden Park foi cenário de muitas e excelentes sessões de teatro e outras formas de expressão cultural.

(continua no post seguinte...)

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Impacto do racismo sobre a identidade Caboverdiana nos EUA

Discusão no forum do site For CV

Impacto do racismo sobre a identidade Caboverdiana nos EUA

segunda-feira, 26 de junho de 2006

Bilinguismo e integração

Tem constituído objecto de importantes trabalhos de estudo e investigação, mas também de controvérsia, a problemática da adopção do crioulo, ou uma das variantes do crioulo cabo-verdiano, como língua oficial de Cabo Verde a sua consequente utilização nas escolas e em todas as instituições e repartições burocrático-administrativas cabo-verdianas. Ainda que todos pareçam estar de acordo quanto à necessidade de preservar, estudar, desenvolver e valorizar a língua cabo-verdiana, nem todos tem a mesma opinião quanto à necessidade ou mesmo viabilidade da sua instituição como língua oficial de Cabo Verde. Se há quem entenda que a insistência na utilização da língua portuguesa no pais, independente desde 1975, equivale a uma recusa por parte dos que assim procedem em se libertarem definitivamente de uma mentalidade de colonizado, há por outro lado quem considere a língua portuguesa uma herança positiva da colonização, não só por razões de ordem prática como instrumento de comunicação a nivel nacional, mas também pela amplitude do espaço cultural de que a língua portuguesa é parte integrante, opondo assim argumentos de carácter histórico e pragmático às fundamentações nacionalistas da substituição radical e definitiva do português pelo crioulo.



Creio que continuaremos a discutir esta questão entre nós, até chegarmos finalmente a uma conclusão objectiva e isenta dos preconceitos, da carga subjectiva e de uma certa emotividade ainda à flor da pela que muitas vezes nos desvia dos nossos propósitos iniciais. Não me parece que a valorização e o desenvolvimento do crioulo e a sua introdução no currículo normal das escolas cabo-verdianas, com a padronização de uma das variantes, instrumentada em termos de alfabeto, gramática e dicionário e eventualmente a sua oficialização, tenha necessariamente que implicar a exclusão da língua portuguesa, cujo lugar e cujas funções dentro do quadro de comunicação linguística em Cabo Verde me parecem definir-se de forma cada vez mais clara. Concordo com a tese de Dulce Almada Duarte * quando afirma que o futuro linguístico de Cabo Verde e bilingue, em crioulo e português, em que a utilização das duas línguas processa em regime de reconhecimento mútuo e de acordo com as circunstâncias, não parecendo provável a substituição de uma pela outra, pelo menos a curto ou mesmo médio prazo, já que não temos a capacidade de prever o futuro em termos absolutos, mas tão somente de observar e especular a partir de dados e tendências que nos permitem alvitrar hipóteses e imaginar os possíveis cenários que se oferecerão as nossa opções linguísticas futuras.

Há sempre uma margem de espontaneidade na evolução das línguas e do seu papel numa comunidade ou numa sociedade, cujos efeitos a longo termo são imprevisíveis, para além de e sejam quais forem as decisões politicas tomadas nesse âmbito. Muito se tem feito em Cabo Verde depois da independência para prestigiar, dignificar e desenvolver a língua cabo-verdiana, e nesse sentido é notável o trabalho perseverante e abnegado de estudiosos e especialistas nesta área de investigação, como Artur Vieira, kauberdiano Dambará, Dulce Duarte, Luís Romano, Manuel Veiga, Kaká Brabosa, Francisco Fragoso, Manuel Gonçalves, e Tomé Varela, Dany Spínola, Luis Hoppfer Almada, Inês Brito,não só no plano de investigação teórica, como na instrumentalização da língua cabo-verdiana no sentido da sua padronização, como na sua utilização como língua literária.

Ao fim e ao cabo escritores como Artur Vieira, Luís Romano,Gabriel Mariano, Corsino Fortes, Manuel Veiga e Tomé Varela, Zizin Figueira, para não falar nos poetas-compositores como B.Léza, Manuel Novas, Jota Monte, e tantos outros que passam como anónimos ou que ninguem se lembra de os citar, ao utilizarem a língua cabo-verdiana – o primeiro na variante da Ilha Brava, o segundo na de Santo Antão e os os dois últimos na santiaguense – prosseguem na linha de Eugénio Tavares e Pedro Cardoso, os dois grandes percursores da valorização do crioulo e a quem Cabo Verde deve das mais belas paginas da sua literatura. Não cabe no âmbito deste artigo falar de forma mais exaustiva sobre a valiosa contribuição trazida neste domínio por investigadores como Baltazar Lopes da Silva, como o estudo “O Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, uma referência fundamental e um marco decisivo na historia da língua cabo-verdiana , ou a contribuição de Kauberdiano Dambara, Luís Fragoso, Kaká Barbosa e outros no mesmo sentido, mas tão somente sublinhar a sua importância numa longa luta de afirmação da identidade cultural e dignificação da cultura e do homem cabo-verdiano ao longo da sua história. Essa preocupação não me parece excessiva, sobretudo quando se têm presentes as duvidas que muitos imigrantes cabo-verdianos jovens, de segunda geração, revelam quanto ``a identificação com as suas origens e algumas manifestações de depreciação ou mesmo rejeição muitas vezes verificadas entre eles, quando confrontam a cultura dos seus progenitores com a da sociedade em que se inserem ou se integram ou tentam inserir-se ou integrar-se. Um fenómeno complexo, de efeitos imprevisíveis por vezes e que tem certamente muito a ver com os problemas de inserção e de integração social com que diariamente lida a sociedade do pais de acolhimento. E’ nessa dualidade cultural que vivem os imigrantes de segunda geração e os conflitos que gera nem sempre são resolvidos ou abordados da melhor forma pelos seus sujeitos e pelos que tentam, muitas vezes por dever de oficio , solucioná-los.



Voltando a questão linguística, que não podemos naturalmente dissociar da questão social, as escolas portuguesas situadas em bairros de forte incidência populacional cabo-verdiana, defrontam-se forçosamente com a situação de bilinguismo entre os seus alunos de origem cabo-verdiana que coloca os professores que nelas ensinam perante a necessidade de desenvolver estratégias e eventualmente adoptar uma metodologia diferente no ensino da língua portuguesa a estes alunos, que no seu ambiente familiar e no meio onde habitualmente vivem falam o crioulo e não o português. Naturalmente o grau de domínio da língua portuguesa, a sua língua de comunicação oral e escrita com os professores afectará o progresso escolar desses alunos nas outras disciplinas , pois é a língua que veicula todo processo de ensino-aprendizagem das diferentes matérias que constituem o seu currículo escolar. Há situações em que as dificuldades sentidas pelos alunos são transitórias, pois a imersão na língua portuguesa pelo convívio leva-os rapidamente a dominar esta língua, mesmo que continue a falar o crioulo em casa ou com os seus pares da mesma origem. Estas são as situações que coincidem com uma inserção social bem sucedida dos filhos de imigrantes cabo-verdianos. Há porem casos em que essa inserção não se faz e os imigrantes são arrastados pelas circunstâncias para um processo de guetização e isolamento e ao desenvolvimento de uma cultura de gueto que, preservando embora hábitos e costumes do pais de origem nos imigrantes de primeira geração, vai desenvolvendo paralelamente uma nova forma de estar que se afasta do estilo de vida dos pais e avós, mas tão pouco se integra na sociedade envolvente. E’ nessa zona que se geram grupos e comportamentos em conflito tanto com a restante sociedade, como com o seu próprio meio que frequentemente resvalam para a marginalidade legal.



As escolas só por si não conseguirão superar esses problemas se a questão da inserção social dos alunos filhos de imigrantes não se resolver fora da escola., portanto na comunidade, na família, na sociedade. Todos sabemos que as escolas reflectem como espelhos os conflitos das comunidades e da sociedade em que se inserem. Mas o que se passa nelas é fundamental para que se realize uma integração harmoniosa e eficaz dos imigrantes, e a cooperação entre a comunidade, as famílias e os professores é, naturalmente, indispensável para isso. E é importante que se tenha em conta a opinião dos pais, e de forma muito particular das mães tratando-se de pessoas oriundas de Cabo Verde, pelo peso da sua acção junto da família, evitando o erro em que muitas vezes se cai ao subestimar os pontos de vista e a experiência de pessoas que por terem fraca ou nenhuma escolaridade são classificadas como “ignorantes”. Ignorantes, é certo, de coisas que se aprendem nas escolas, mas experientes em muito mais, sobretudo naquilo que é a luta pela vida. Isto, sem demagogia nem paternalismo. Simples factos da vida. Quero com isso dizer que quando, por exemplo, uma dessas mães diz, numa reunião da Escola com os Pais e Encarregados de Educação de filhos de imigrantes, como já uma vez aconteceu, que “manda o seu filho para a escola para aprender a falar e a escrever português e não crioulo, porque crioulo já sabe, aprende-o em casa” , vale a pena ponderar muito a sério o que leva aquela senhora a insistir de forma tão enérgica nesta questão. Isto, sem desvirtuar a importância do crioulo e o interesse e a necessidade do seu estudo ou do seu ensino nas escolas. Neste caso, quanto a mim, importaria saber em que condições e a que níveis se poderá ou deverá ensinar o crioulo.

* Dulce Almada Duarte, - “Bilinguismo ou Diglossia?”. Praia, 1998

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Vantagens das Desvantagens

Não faço o elogio da pobreza para eleger qualidades ou virtudes que nela se geram. É preciso perguntar a quem vive nas mais precárias condições de vida qual a sua opinião, antes de termos quaisquer veleidades na matéria. Como aquela mulher que vive lá para os lados da Chacra, ilha de Santiago, tem uma filha pequena para criar, sozinha, e se levanta cedo para sair à procura de algo que lhe dê para ganhar a refeição do dia quando regressa a casa ao fim da tarde. Juntando lenha para vender, por exemplo, ou carregando pedras para qualquer obra. Não tem nada de garantido, nada de seguro. Subsídio de desemprego, pensão de reforma um dia? Não brinquem. Isto sem lamechices: simples factos da vida, factos do dia a dia.

Posto isto, vou ao que queria dizer.
Alguém oriundo de uma outra ex-colónia portuguesa disse-me uma vez:
“A vossa sorte em Cabo Verde é terem uma terra pobre”.

A sua conclusão baseava-se no raciocínio de que em Cabo Verde, pela sua escassez crónica de recursos naturais, nunca foi possível implantar um sistema de exploração que desse lugar ao tipo de sociedade que se criou nas outras colónias. Como as roças de S.Tomé, por exemplo. Ou as grandes plantações de Angola e Moçambique. Ou minas de diamante, ou petróleo. Essas fontes de riqueza foram pólos de atracção para uma corrente migratória de colonos a quem foram dadas condições muito especiais como forma de os atrair e fixar, enquanto, para assegurar esse estatuto, mantiveram as populações autóctones à margem da sociedade que foram criando e desenvolvendo. Não só as mantiveram à margem como lhes retiraram a sua dignidade como seres humanos pela opressão social e pelo desprezo, impondo-lhes um tratamento racista e humilhante. Qualquer colono ganhava automaticamente um estatuto de classe favorecida, enquanto às populações nativas foi imposto o regime de indigenato e o respectivo estatuto a que equivalia a restrição total dos direitos mais elementares. Os cabo-verdianos, tendo embora outros problemas, disso se livraram.
No caso de São Tomé, este território seguiu até um determinado momento da sua história um percurso semelhante ao de Cabo Verde e a parte africana da sua população conheceu uma relativa tranquilidade e liberdade de acção, e mesmo um certo desafogo, e o relacionamento com os poucos colonos dava-se numa base de mútua aceitação e reconhecimento. A alteração do sistema de produção com a implantação de roças veio alterar profundamente a vida da população de São Tomé. Apenas um exíguo número de famílias são-tomenses era detentor de terras. Instituiu-se em São Tome um regime de monocultura em que se explorava a fundamentalmente a produção de cacau e, em menor escala, café. A exploração destes dois grandes recursos agrários estava nas mãos de empresas sedeadas em Portugal ou de alguns empresários individuais. Os naturais de São Tomé recusaram-se a trabalhar nas roças, pelo que as mesmas passaram a recrutar trabalhadores de outras colónias, como Angola e Moçambique, mas principalmente de Cabo Verde. O sistema de exploração e o recrutamento de mão-de-obra teve naturalmente o apoio da administração colonial. Permitia por um lado, resolver o problema de mão-de-obra para a exploração das roças e, por outro lado, era uma forma de solucionar outros problemas como o das crises cíclicas provocadas pelas secas em Cabo Verde. As condições de trabalho eram degradantes, a forma como os trabalhadores eram transportados para São Tomé eram aviltantes, mas a lógica da Administração, lógica a que os próprios trabalhadores não tinham outra alternativa senão submeter-se numa terrível forma de chantagem, era a de que, ao menos assim, teriam a sua sobrevivência assegurada.

A implantação de roças imprimiu um rumo à sociedade de São Tomé diferente daquele que em Cabo Verde, por força das circunstâncias se seguiu, o que fez com as duas colónias tenham tido, a partir dai, percursos diferentes. Mesmo assim, em São Tomé, o tipo de convívio entre os colonos e a população africana sempre se diferenciou do modelo de colonização adoptado nos territórios de Angola e Moçambique. Uma simples amostragem a partir do número de africanos que frequentavam as escolas secundárias naquelas três antigas colónias portuguesas será suficiente para definir a situação naqueles territórios na época colonial, diminuindo essa frequência de São Tomé para Angola e de forma dramática de Angola para Moçambique, onde essa frequência era quase nula, sobretudo nas grandes capitais, Lourenço Marques, hoje Maputo, e Beira. Não é por acaso que precisamente Moçambique foi, das antigas colónias portuguesas, o país que teve que lutar com maior dificuldade em quadros depois da independência. É verdade que nos anos que precederam a independência daquela antiga colónia portuguesa houve uma certa alteração nesse estado de coisas, motivada pela pressão da comunidade internacional sobre o governo português, mas tais medidas além de insuficientes chegaram já demasiado tarde.

Em Cabo Verde tudo se passou de forma diferente. Depois da abolição da escravatura e apesar da persistência em conservar de uma forma ou de outra as suas prerrogativas de classe dominante, a progressiva degradação do poder económico dos ex-senhores foi gradualmente retirando-lhes a capacidade de exercer um domínio real sobre a vida dos ex-escravos, apesar da persistência de uma postura de classe feita de gestos e atitudes. A falta de recursos em geral e o efeito devastador das secas sucessivas acabariam por aproximar uns e outros numa luta pela sobrevivência colectiva, desencorajando por outro lado a colonização massiva. Não se ia para Cabo Verde: saia-se de Cabo Verde, para procurar vida noutros lugares. Saia quem pudesse.

A exiguidade de recursos conduziu ao longo dos anos a uma vivência em comum, a uma busca constante de formas não só de conservação dos poucos recursos como de estratégias de superação das crises que cíclica e inevitavelmente assolavam as ilhas, condicionando as expectativas dos seus habitantes e, enquanto Cabo Verde foi colónia portuguesa, cabia ao Estado Português a responsabilidade de garantir a sobrevivência da população de um território que era considerado para todos os efeitos território português. Esse suporte não impediu que morressem milhares de pessoas à fome nos períodos mais críticos da sua historia como colónia, além da fome crónica e toda a espécie de carências que afectavam largos sectores da população: esse rosto familiar da miséria que o arquipélago se habituou a olhar como uma espécie de fatalidade.

Assumir a independência de um pais nessas condições podia ser visto como um acto de irresponsabilidade da parte de quem, aparentemente, nada tinha para dar em troca à população a não ser a possibilidade de autodeterminação. Nada mais senão a sua independência, para que pudesse livremente decidir sobre o seu destino. Mas que destino, sem recursos que pudessem assegurar uma autonomia mínima - de subsistência como ponto de partida - a não ser que contasse indefinidamente com a solidariedade internacional? Esta alternativa equivalia, para muitos, a substituir uma forma de dependência por outra, neste caso, da dependência de Portugal pela dependência da generosidade de outros países e organizações humanitárias internacionais. Essa era a responsabilidade dos novos dirigentes de Cabo Verde como Estado.

Apesar dos erros cometidos durante os primeiros anos de gestão dessa independência, penso que a sua assunção, longe de ter sido um acto de irresponsabilidade foi um acto de convicção e de confiança na capacidade do próprio povo cabo-verdiano para criar e desenvolver condições de viabilização da sua autonomia. Essa convicção e essa confiança, apesar de todas as dificuldades e dos erros ( muitos deles possivelmente evitáveis ) tiveram um impacte positivo na reacção das populações dentro e fora do país e na imagem que Cabo Verde conseguiu projectar junto da comunidade internacional. Não podemos subestimar a importância dessa projecção, cujos efeitos não deixam de ser mutuamente estimulantes. Para além de todas as críticas que se possam fazer ao regime sob o qual foram conduzidos os destinos de Cabo Verde durante as primeiras duas décadas da sua independência, é difícil não reconhecer o mérito dessa convicção, dessa confiança e dos seus efeitos. Por certo, mesmo aqueles cabo-verdianos que, sobretudo por razões de ordem politica e ideológica não aderiam à independência nas condições em que ela ocorreu, considerando-a como um acto de cumplicidade entre as forças politicas no poder em Portugal e um partido em Cabo Verde assumido, arbitrariamente segundo eles, como o único e legítimo representante do povo de Cabo Verde, não deixam, se forem efectivamente cabo-verdianos, de sentir-se afectados de forma positiva e de regozijar-se, todas as vezes que a imagem de Cabo Verde no exterior se projecta de forma positiva. Este facto, por si, não deixa de reflectir a consciência nacional do que consideramos ser o povo cabo-verdiano. É essa consciência nacional que, quanto a nós, explica e justifica a luta pela independência de um povo. As opções politicas que cada povo assume na gestão da sua vida como nação independente são outro problema.

De qualquer forma, é a ele que cabe decidir, entre as diferentes opções que se lhe oferecem.

Viriato de Barros