Palestra alusiva ao 19º aniversário AAEESCV-25-11-06 (Parte 1)
Palestra proferida por Viriato de Barros em 25-11-2006
Quero antes de mais agradecer à Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde o convite com que me distinguiram e que me honra de forma muito particular como antigo aluno do Liceu Gil Eanes, de que tive também o privilégio de ser professor, para neste dia em que se celebra o décimo nono aniversário da fundação da Associação, dizer algumas palavras.
Acho que não me afasto, antes pelo contrário, me reaproximo do motivo que nos traz aqui hoje, que é comemorarmos juntos esta data, se recorrer a um artigo que em temos escrevi sobre S.Vicente com o título de “S.Vicente, - ‘quel país!”:
Quem chega a São Vicente, vindo de uma outra ilha como a Brava, por exemplo, de rochas húmidas e terras verdejantes, muros forrados de musgo, estradas ladeadas de cardeais ou de cercos de cafezeiros, ou Santo Antão, com os seus vales férteis, exuberantes por onde correm ribeiras de água cristalina, tem, de entrada, a sensação de um banho de aridez e secura que o envolve para onde que se vire.As espinheiras cobertas de poeira vergam sob a pressão do vento agreste que fustiga a ilha sem cessar. A poeira deposita a sua marca em tudo por onde passa e passa por tudo. Tudo seco. Tudo árido.Mas quando ergue os olhos e alcança a vista que se descortina mais à distância, vê areais dourados em estonteante contraste com o azul do mar e descobre, aí, uma outra beleza feita de tons do mar, do céu e dos matizes de crepúsculos e auroras sem igual.
É uma outra ilha, outra gente. É uma ilha-cidade. Não há campo, nem camponeses. Há rochas, pedras e terra, areia e ribeiras secas que não nos deixam esquecer que, por serem ribeiras, um dia por elas passou água e por ela esperam o ano inteiro, todos os anos. Em S. Vicente também chove, pelo menos uma vez por ano. E às vezes chove tanto que algumas ribeiras conhecem dias de verdura, ainda que por tempo escasso.É por isso que se diz que S. Vicente não tem interior, como tem, por exemplo, a ilha de S. Tiago. Claro que, rigorosamente, talvez a Ribeira Julião, o Lameirão, o Pé de Verde e o Monte Verde pudessem ser considerados "interior", mas a verdade é que ninguém pensa nesses lugares como tal. S.Vicente vivia de outras coisas.
...Tinha um Liceu e outros centros de formação profissional como a Escola Técnica e a oficina da Pontinha, tinha as companhias inglesas que davam uma nota britânica aos costumes locais, como o hábito de jogar o "cricket", o golfo e o ténis, aprendido com os ingleses, havia expressões que faziam parte do vocabulário comum como "crizmis" ( de Christmas), nhocasse (de New Castle) para designar o carvão eventualmente proveniente daquela cidade britânica, as pessoas andavam de calções e usavam sapatos de ténis, bebiam o chá das cinco e tomavam "gin tonic". Havia mesmo quem falasse português (ou creoulo) com sotaque inglês adquirido por contiguidade nas companhias inglesas. Coisas, evidentemente do passado. Havia mesmo um certo estilo de andar, ligeiramente inclinado à direita, com um bengalim debaixo do braço esquerdo que, segundo parece, tinha proveniência britânica. Mesmo sem o bengalim, ficava-lhe o jeito. A postura imprimia um estilo.Havia outra circunstância que contribuía para esse modo mindelense de estar na vida : facto de o Porto Grande de S. Vicente ser um importante porto internacional, visitado por navios de todas as nacionalidades e provenientes dos mais longínquos e variados lugares, permitia aos mindelenses um contacto constante com diferentes culturas, com diferentes hábitos e costumes.
Se me alongo um pouco sobre S.Vicente nesta minha conversa é porque foi ali onde um dia e em boa ora se institui o Liceu Gil Eanes. Não podemos, naturalmente, dissociar esta Associação do Liceu que deu origem à sua criação, nem da ilha em que se implantou , do seu estilo de vida das influências reciproprocas. Desse espírito mindelense no que ele teve sempre de melhor, feito afinal com gente de todas as ilhas. Bazofo por excelência, tantas vezes irritante, por vezes insuportável, para nós os outros que chegávamos de outras ilhas na sua simplicidade rural, mas por outro lado independente, irreverente perante pretensões de abusos e prepotências, vindas de onde viessem, de uma capacidade incrIvel de inventar alegrias nas situações mais difíceis, penosas, em que apesar delas aflora invencível esse humor mindelense que ele próprio diz que tem origem na influência a que chama “britiche”. Não lhe cham britânica, não. Chama-lhe “britíche” , assim mesmo, com acento no “i”. Desse inglês que aprendemos, muitos de nós, como nho Roque, que nos ensinavaa pronunciar correctamente a palavra “Christmas”ouvindo com atenção a forma como as empregadas das casas inglesas diziam: “Crizmiz”. “Ora digam lá, dizia Nho Roque: “criz-miz”! Agora façam recuar o acento para o pricípio da palavra: Crízmiz. Ora aí está!
Todos nós, patche, busbista, badiu, djabraba, bubista, badiu, djarfogo, djarsal, djarmai, chegávamos a S.Vicente, naquela simplicidade saloia –passo o termo - e começávamos a aprender essa esperteza urbana dos “m’nin d’soncent” , esses, convencidos sempre, na sua congénita bazofaria, de que eram os melhores do mundo. Do mundo, repito, na sua forma de o dimensionar.
Como acontece noutros lugares a comunidade em que a escola se insere tem um papel preponderante na forma como se processa a formação que nela se recebe num processo recíproco de influências. Paralelamente à educação que se recebia no Liceu Gil Eanes, liceu a todos os títulos, à nossa dimensão, correspondente a uma Universidade, recebia-se uma outra formação, noutras “instituições” que se chamavam respectivamente, Eden Park e Parque Miramar, por ordem de antiguidade e respeito por ela. E não era apenas feita de filmes essa formação. O palco do Eden Park foi cenário de muitas e excelentes sessões de teatro e outras formas de expressão cultural.
(continua no post seguinte...)
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